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A (in)constitucionalidade da cobrança de taxas em loteamentos

30/05/2023

por [Advogado] Guilherme Paiva Corrêa da Silva

"...não é constitucional a cobrança de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado..."

A expansão urbana por meio de loteamentos imobiliários despertou diversas discussões jurídicas nas últimas décadas, entre elas a possibilidade de administradora constituída sob a forma de associação de moradores exigir de proprietário ou possuidor de lote o pagamento de taxas de conservação, de manutenção de serviços e de realização de benfeitorias.

Tal discussão surgiu no âmbito dos antigos “loteamentos fechados”, originados da junção de elementos dos loteamentos tradicionais (Lei n° 6.766/79) e dos condomínios (Lei n° 4.591/64), posteriormente regulamentados e nominados de “loteamentos de acesso controlado”, nos termos da Lei n° 13.465/2017.

A mencionada lei, que constitui marco legislativo do tema, além de instituir os chamados “loteamentos de acesso controlado”, previu a obrigatoriedade de cotização entre os beneficiários das atividades desenvolvidas por associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimentos assemelhados, desde que assim previsto no ato constitutivo das organizações respectivas.

Em que pese, todavia, a normatização legislativa da matéria, persistiram os debates judiciais acerca do alcance do direito à livre associação dos proprietários de imóveis situados em loteamentos em face dos entes voluntariamente constituídos com a finalidade de administrarem e manterem serviços nas áreas de uso comum nessa espécie de parcelamento de solo.

Foi nesse cenário que, em dezembro de 2020, reconhecendo a existência da repercussão geral da questão constitucional em debate, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n° 695911, sob o regime dos recursos repetitivos, fixando a tese de que “é inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis” (Tema 492).

Entendeu-se, como bem resumido pelo Prof. Dr. Carlos Alberto Garbi, que “o proprietário ou possuidor de lote que não é associado, ou deixou de ser, só poderá ser obrigado ao pagamento de qualquer contribuição a partir da lei n° 13.465/2017, ou lei municipal anterior, que defina essa obrigação, desde que também atendidas a uma das duas condições: se associou ou o ato constitutivo da obrigação foi registrado no Registro de Imóveis antes da aquisição”1.

Como se percebe, o STF decidiu em favor do princípio constitucional da liberdade associativa, reconhecendo que, até o advento da Lei nº 13.465/17 ou de anterior lei municipal que discipline a questão, não é constitucional a cobrança de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado, uma vez que não há como se impor qualquer obrigação a quem não queira se associar (ou permanecer associado), ante a ausência de manifestação expressa de vontade nesse sentido e de previsão legal da qual decorra uma relação obrigacional.

 

1 https://www.migalhas.com.br/coluna/novos-horizontes-do-direito-privado/338282/o-direito-a-livre- associacao-e-a-cobranca-de-contribuicoes-de-manutencao-e-conservacao-de-loteamentos-de- proprietarios-e-possuidores-nao-associados