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A herança do cônjuge sobrevivente decorrente da escolha do regime de bens do casamento

31/10/2012

por [Advogado] Priscilla Costa Piccirilo Cury

"...o cônjuge sobrevivente é meeiro dos bens adquiridos na constância do casamento a título oneroso e também herdeiro do cônjuge falecido, em concorrência com descendentes ou ascendentes vivos..."

É de suma importância que o casal, ao contrair núpcias, entenda quais as consequências da sucessão e partilha de bens diante da escolha do regime de bens a ser adotado, o qual refletirá tanto na divisão patrimonial no momento da dissolução do casamento, através do divórcio, quanto por ocasião do falecimento de um dos cônjuges.

Até 1977, o regime legal de bens, ou seja, aquele que vigorava pela lei na hipótese dos pretendentes não elegerem outro regime de bens por pacto antenupcial, era o regime da comunhão universal de bens. Por este regime, tanto pelo divórcio quanto pela morte de um dos cônjuges, o outro tem direito à metade de todo o patrimônio, por direito de meação, seja aquele adquirido por herança, doação, sub-rogação ou anteriores ao casamento (bens particulares), seja aquele adquirido na constância do casamento. Logo, o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, pois já detém a metade de toda a universalidade do patrimônio.

Após a Lei do Divórcio, Lei 6.515 de 1977, modificou-se o regime legal de bens de universal para comunhão parcial, ou seja, passam a integrar a comunhão somente os bens adquiridos na constância do casamento, a título oneroso, excluída a herança, doação ou sub-rogação. 

Todavia, quando entrou em vigor o Código Civil de 2002, foram introduzidas algumas alterações previstas nos artigos 1.639 a 1.688 e 1.784 a 1.856, pelo qual a meação dos bens adquiridos na constância do casamento, quando do falecimento de um dos cônjuges, dependerá do regime de bens adotado e refletirá na herança do cônjuge sobrevivente. 

As alterações introduzidas pelo Código Civil trouxeram dúvidas e interpretações divergentes dos Tribunais no que diz respeito à concorrência do cônjuge sobrevivente quanto aos bens particulares do cônjuge falecido.

Pela nova disposição legal, de acordo com o artigo 1.890, I do Código Civil, no regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente é meeiro dos bens adquiridos na constância do casamento a título oneroso e também herdeiro do cônjuge falecido, em concorrência com descendentes ou ascendentes vivos, na falta daqueles, cuja participação dependerá do número de filhos do casal, ou filhos particulares do autor da herança, sempre reservada, no mínimo, a quarta parte da herança ao cônjuge sobrevivente quando este concorre com filhos comuns. 

Ou seja, o cônjuge foi privilegiado concorrendo com outros descendentes ou ascendentes. No entanto, esta regra só vale se o cônjuge falecido não deixou bens particulares. Daí instaurou-se enorme divergência, com várias interpretações. 

Esta diferenciação já não ocorre na união estável, na qual estabelece que o companheiro sobrevivente somente terá direito a herança dos bens do cônjuge falecido, adquiridos na constância da união, além da meação dos bens comuns, excluída a participação nos bens particulares. Na hipótese de dissolução da sociedade, terá direito a meação dos bens adquiridos no período de convivência, diante da equiparação ao regime da comunhão parcial de bens.

Quanto à sucessão do cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de bens, acima mencionado, há interpretações divergentes, diante da incongruência do artigo 1.829, I, do Código Civil, que exclui o direito do cônjuge sobrevivente em concorrer na herança se não deixou bens particulares. Não existindo bens particulares do autor da herança, mas somente bens comuns, o cônjuge sobrevivente é meeiro e não concorre na herança. Interpreta-se, todavia, que se o cônjuge sobrevivente só deixou bens particulares, nada tendo adquirido na constância do casamento, a concorrência é permitida, tendo em vista o caráter protecionista da norma que visa não desamparar o sobrevivente nessas situações excepcionais, tratando-se de uma exceção à regra. 

Outros posicionamentos entendem que havendo bens particulares e bens comuns, o cônjuge sobrevivente não concorrerá à herança quanto aos bens particulares, sendo estes deferidos somente aos descendentes, ou seja, não se terá após a morte o que, em vida, não se pretendeu. 

De outro lado, no regime da separação de bens, realizado mediante pacto antenupcial, o cônjuge sobrevivente, em tese, herdaria os bens do cônjuge falecido, diante da regra que elevou-o à condição de herdeiro necessário. Esta regra, todavia, também está passível de interpretações divergentes, cujo entendimento é no sentido de que deve ser respeitada, após a morte, a manifestação de vontade das partes quando da celebração do casamento estabelecendo a separação de bens.

Conclui-se, por este prisma, a importância da manifestação de vontade dos contraentes no momento da celebração do casamento, quando elegem o regime de bens que vigorará no casamento, com repercussão na interpretação das regras sucessórias.