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Diligência nas etapas do processo de M&A

30/01/2023

por [Advogado] Fernando Corrêa da Silva Filho

"A boa-fé objetiva, as análises jurídica, financeira e contábil, e a elaboração de contratos perfeitamente adequados ao caso concreto, são fundamentais para o sucesso do negócio."

As operações de compra e venda de empresas têm sido cada vez mais relevantes no cenário mundial. Envolvendo verdadeiras fortunas, diversas aquisições foram concluídas nos últimos anos. Apesar do sucesso de grande parte dessas operações, de maior ou de menor vulto, algumas delas se desdobraram em litígios judiciais e arbitrais por defeitos nas etapas do processo de M&A.

Falta de transparência no fornecimento das informações relevantes, realização de due diligence superficial e a utilização de contratos genéricos para formalização da operação, são exemplos de defeitos nos processos de M&A.

A boa-fé objetiva, as análises jurídica, financeira e contábil, e a elaboração de contratos perfeitamente adequados ao caso concreto, são fundamentais para o sucesso do negócio.

Incluída na etapa de instrumentalização da operação está, por exemplo, a atribuição da responsabilidade entre os contratantes pelos passivos da sociedade.

A existência de passivos influi diretamente na estipulação do preço acordado entre as partes para a compra e venda da participação societária e, por isso, a responsabilidade é usualmente atribuída ao comprador, que se beneficiou de tal passivo para barganhar uma redução no valor das quotas ou ações.

Em que pese a sociedade possua personalidade jurídica própria, constituindo um ente autônomo completamente distinto dos sócios que a integram, tal como disposto no artigo 49-A do Código Civil, introduzido pela Lei n.º 13.874/2019, também conhecida como “Lei da Liberdade Econômica”, o passivo da empresa impacta na negociação do valor das quotas ou ações entre comprador e vendedor.

No caso de omissão a respeito da responsabilidade, a análise judicial recairá sobre as etapas do processo de aquisição, em especial da due diligence. Buscando saber se o comprador foi diligente em sua auditoria, porém atento a eventuais omissões fraudulentas por parte do vendedor, a casuística poderá ser fator determinante para definir a quem será atribuída a obrigação, sem prejuízo da presunção do impacto do passivo na negociação do preço da participação societária.

A 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou caso sobre esse assunto recentemente, assim ementado:

Ação declaratória de responsabilidade ajuizada por cessionários de quotas de limitadas contra cedentes, relativamente a dívidas sociais. Pedido subsidiário de rescisão do contrato de cessão. Ação julgada procedente, acolhido o primeiro pedido. Decisão, anterior à sentença, por esta confirmada, de condenação de corré por litigância de má-fé. Apelação dos réus. Dívidas da sociedade, salvo expressa disposição contratual diversa, não podem ser imputadas aos cedentes, sob pena de violação da separação de personalidades jurídicas. Inteligência do art. 49-A do Código Civil. Ausência de cláusula contratual, ou fundamento legal, que permita imputar à autora responsabilidade pelas dívidas em tela. Hipótese que não se subsume aos arts. 1.003, parágrafo único, 1.016 e 1.032 do Código Civil, que tutelam a própria sociedade e terceiros contra ilícitos danosos de sócio, ora atual, ora retirante, ou de administrador. Doutrina de EGBERTO LACERDA TEIXEIRA e de ALFREDO DE ASSIS GONÇALVES NETO, cits. em precedente desta Câmara: Ap. 0036718-87.2010.8.26.0602, FRANCISCO LOUREIRO. Precedente da 2ª Câmara Empresarial do Tribunal: Ap. 0017250-73.2010.8.26.0009, FÁBIO TABOSA. De todo o modo, prova dos autos a demonstrar que os autores sabiam, ou deveriam saber, consoante o que normalmente acontece (CPC, art. 375), das dívidas de que se cuida. Reforma da sentença recorrida. Recurso de apelação parcialmente provido para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial – principal declaratório e subsidiário de rescisão –, mantida, todavia, a condenação da corré por litigância de má-fé. (TJSP; Apelação Cível 1000967-02.2015.8.26.0358; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Mirassol - 1ª Vara; Data do Julgamento: 09/01/2023; Data de Registro: 09/01/2023).

As relações negociais, sobretudo as operações societárias, não admitem erros ou incúria, com exceção às hipóteses de vício de consentimento. Os atores envolvidos devem ser – e são – tratados como seres extremamente racionais, dispostos a manifestarem livremente sua vontade com consciência sobre seus atos, pressupondo a atuação diligente e abrangente durante as etapas do processo de M&A.

A atuação diligente dos envolvidos e a estrita observância aos deveres de lealdade, transparência e boa-fé, são a força motriz para o sucesso da operação em todas as suas fases e o gap de discussão a respeito de temas relevantes como o acima demonstrado pode trazer prejuízos indesejados para os partícipes.