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A Lei nº. 14.451/22 e as deliberações sociais nas Sociedades Limitadas

27/09/2022

por [Advogado] Henrique de La Corte

"Em situação diversa, como serão tratados os contratos sociais que previram de forma genérica a aplicação dos quóruns legais? Estariam os sócios sujeitos à nova perspectiva legal?"

Publicada no último dia 22, a Lei nº. 14.451/22 reduziu o quórum para tomada de deliberações no âmbito das sociedades limitadas.

A nova medida alterou a regra para nomeação de administradores não-sócios a fim de permitir que, após a integralização do capital social, os administradores sejam nomeados pelo voto dos sócios detentores de mais da metade do capital social (maioria absoluta)[1].

Até então, o artigo 1.061 do Código Civil previa que a nomeação deveria ocorrer pela unanimidade dos sócios quando o capital não estivesse integralizado ou por 2/3 (dois terços) após a integralização.

O quórum qualificado de 2/3 (dois terços) passou a ser exigido apenas para designação de administradores quando o capital social não estiver totalmente integralizado, rigidez que se justifica dada a possibilidade de responsabilização solidária dos sócios por força dos artigos 1.052 do Código Civil e 790, II, do Código de Processo Civil, como, inclusive, reconhecido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em interessante precedente[2].

A alteração legislativa reduziu ainda os quóruns necessários à modificação do contrato social e à incorporação, fusão e dissolução da sociedade, ou cessação do estado de liquidação, de modo a permitir que tais deliberações ocorram de acordo com a vontade majoritária, ou seja, os equiparou ao quórum de maioria absoluta exigível para deliberação das demais matérias elencadas no artigo 1.071, II, do Código Civil, com exceção daquelas relativas à destituição de administradores e nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento de suas contas.

Ao nosso sentir, ao simplificar os quóruns de deliberação, a novel Lei buscou desburocratizar a gestão da sociedade limitada por meio da flexibilização na tomada de decisões, permitindo que a vontade da maioria seja respeitada.

Apesar de criar maior flexibilidade nas deliberações sociais, os novos dispositivos trouxeram algumas incertezas que, em breve, serão enfrentadas pela doutrina e jurisprudência. Citemos, como exemplo, a retroatividade da nova norma legal.

Nesse novo cenário resta-nos uma indagação: haverá aplicação retroativa dos novos quóruns às sociedades que estipularam idêntica previsão à regra anterior de deliberações? Isto é, a nova regra deverá retroagir para atingir os quóruns de votação estipulados exatamente como a previsão legal anterior? Em um primeiro aspecto, parece-nos que não, uma vez que (i) a lei não pode retroagir para prejudicar o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, CF) e (ii) o contrato social acabará por manter um quórum mais rígido do que aquele instituído pelo novo dispositivo, situação perfeitamente admitida e que deixaria de justificar a hipotética retroatividade.

Em situação diversa, como serão tratados os contratos sociais que previram de forma genérica a aplicação dos quóruns legais? Estariam os sócios sujeitos à nova perspectiva legal? Diferentemente da hipótese tratada anteriormente, acredita-se que os efeitos da nova disposição serão perfeitamente aplicados à estas sociedades, porquanto a generalidade do contrato social nesse tocante sujeita os sócios às contínuas e inesperadas modificações legais.

Resumidamente, com a nova perspectiva legal será necessário reanalisar as regras de controle e gestão da sociedade insculpidas no contrato social e em eventual acordo de quotista para certificar se ainda refletem a vontade dos sócios.

 

[1] "Art. 1.061 A designação de administradores não sócios dependerá da aprovação de, no mínimo, 2/3 (dois terços) dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e da aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, após a integralização."

[2] “CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Decisão que indeferiu o pedido de intimação dos sócios da empresa devedora para que comprovassem a integralização do capital social – Insurgência da exequente – Cabimento – No caso em testilha, observa-se que a exequente pleiteou o atingimento do patrimônio pessoal dos sócios da devedora caso o capital social da sociedade limitada não tenha sido totalmente integralizado – Sócios que respondem solidariamente pela integralização do capital social, nos termos do art. 1.052, do Código Civil – Ausência de integralização que permite, em tese, a responsabilização dos sócios pelas dívidas sociais, observado o limite do valor faltante para complementação do capital social – Sócios que, portanto, devem ser intimados especificamente para comprovar a integralização do capital social – Recurso provido para este fim.” (TJSP; Agravo de Instrumento 2150106-08.2021.8.26.0000; Relator (a): Marco Fábio Morsello; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itapevi - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/07/2021; Data de Registro: 15/07/2021)