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Multiparentalidade e o reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem

27/04/2023

por [Advogado] Renata Ferreira de Freitas Alvarenga

"Segundo o STJ, a atual concepção de família implica um conceito amplo, no qual a afetividade é reconhecidamente fonte de parentesco e sua configuração, a considerar o caráter essencialmente fático, não se restringe ao parentesco em linha reta."

Não obstante a legislação brasileira em vigor ainda não reconheça expressamente a filiação socioafetiva – que é aquela formada a partir de um vínculo construído por laços de afeto e não biológicos - a jurisprudência dos nossos tribunais vem reiteradamente reconhecendo essa modalidade de filiação, sem exclusão da filiação biológica, gerando o fenômeno jurídico denominado “multiparentalidade”.

O Superior Tribunal de Justiça consagra o entendimento de que o parentesco civil não advém exclusivamente da origem consanguínea, podendo florescer da socioafetividade, o que não é vedado pela legislação pátria, e, portanto, plenamente possível no ordenamento. Essa a melhor interpretação do artigo 1.593 do Código Civil, pelo qual, “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem”.

As situações mais complexas surgem quando o pretendido pai/mãe socioafetivo falece sem que tenha promovido a adoção ou o reconhecimento do vínculo socioafetivo com o filho. Nessas hipóteses, os juízes admitem o reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem, porém, não basta o mero pedido judicial do filho.

O que deve ser demonstrado inequivocamente, mediante todos os meios de prova admitidos em direito, é a intenção do falecido em adotar e/ou reconhecer e assumir a paternidade por laços afetivos. Alguns elementos que auxiliam nessa prova são: coabitação com o pai socioafetivo, ainda que por um determinado período da vida, criação como se filho fosse, sem qualquer distinção com eventuais filhos biológicos, demonstrações públicas de afeto e carinho, dentre outros.

A prova é de extrema importância, uma vez que relações de amor e cuidado não necessariamente refletem a existência de um desejo genuíno, por parte do falecido, de se tornar pai ou mãe, apto a justificar o reconhecimento de estado de filiação.

Segundo o STJ, a atual concepção de família implica um conceito amplo, no qual a afetividade é reconhecidamente fonte de parentesco e sua configuração, a considerar o caráter essencialmente fático, não se restringe ao parentesco em linha reta. É possível, assim, compreender-se que a socioafetividade constitui-se tanto na relação de parentalidade/filiação quanto no âmbito das relações mantidas entre irmãos, associada a outros critérios de determinação de parentesco (de cunho biológico ou presuntivo) ou mesmo de forma individual/autônoma (REsp 1674372/SP).

Nas palavras do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, “a paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos” (REsp 1867308 / MT).