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O Direito de preferência nos contratos de parceria agrícola

30/09/2020

por [Advogado] Fernando Corrêa da Silva Filho

"Apesar dessa tese baseada na aplicação subsidiária das regras do arrendamento à parceria, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou contrário ao alcance do direto de preferência do arrendatário rural ao contrato de parceria."

O Estatuto da Terra define que “a posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa” (art. 92).

Dispõe o sobredito estatuto, também, que, “no caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de perempção dentro de trinta dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo” (§3º do art. 92).

Considerando que a posse ou o uso da terra pode ser exercido mediante contrato de arrendamento rural ou parceria, mas que o direito de preferência para a aquisição do imóvel somente é atribuído ao arrendatário pelo parágrafo transcrito nas linhas acima, fica a dúvida se tal direito também é assegurado aos parceiros signatários dos contratos de parceria.

O artigo 96, inciso VII, do Estatuto da Terra prevê que as normas pertinentes ao arrendamento rural se aplicam à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agroindustrial ou extrativas, no que couber. Essa previsão genérica, portanto, faz com que se defenda a aplicação da regra do direito de preferência previsto para o arrendamento à parceria.

Apesar dessa tese baseada na aplicação subsidiária das regras do arrendamento à parceria, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou contrário ao alcance do direto de preferência do arrendatário rural ao contrato de parceria. Veja:

PARCERIA AGRÍCOLA. DIREITO DE PREFERÊNCIA. O direito de preferência que se confere ao arrendatário rural não alcança o contrato de parceria. Precedentes. Recurso conhecido pelo dissídio, mas improvido. (REsp 264.805/MG, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 21/03/2002, DJ 17/06/2002, p. 267)

PARCERIA AGRICOLA. PREEMPÇÃO. O CONTRATO DE PARCERIA AGRICOLA NÃO ATRIBUI AO PARCEIRO O DIREITO DE PREFERENCIA NA AQUISIÇÃO DO IMOVEL. O DISPOSTO NO ART. 92, PAR. 3. DO ESTATUTO DA TERRA APLICA-SE AO CONTRATO DE ARRENDAMENTO. PRECEDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 97.405/RS, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/1996, DJ 18/11/1996, p. 44901)

Nesse mesmo sentido, foi o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo em decisão mais recente àquelas da Corte Superior:

EMBARGOS DE TERCEIRO Liminar Manutenção da agravante na posse do imóvel arrematado Admissibilidade Contrato de parceria agrícola pode ser verbal ou expresso sendo dispensado o registro para seu reconhecimento Nas hipóteses de alienação do imóvel, a lei prevê que o alienante se sub-roga nos direitos e obrigações do alienante Direito à posse prevista na Lei 4.504/64, art. 92 e incisos Liminar concedida Suspensão da ação monitória e dos atos de transferência Inadmissibilidade Reconhecimento de direito de preferência é aplicado aos contratos de arrendamento rural e não aos contratos de parceria agrícola Ausência do fumus boni iuris Indeferimento mantido - Recurso parcialmente provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 0144725-68.2012.8.26.0000; Relator (a): Álvaro Torres Júnior; Órgão Julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; Foro de Avaré - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/05/2013; Data de Registro: 23/05/2013)

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também não diverge desse entendimento:

DIREITO DE PREFERÊNCIA. ARRENDAMENTO RURAL. CONTRATO DE PARCERIA. DISTINÇÃO. ALIENAÇÃO. EXPROPRIAÇÃO FORÇADA. PEREMPÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA. O contrato de parceria destinada à utilização de pastos para engorda de gado não se confunde com o contrato de arrendamento rural, de modo que, consoante consolidado no STJ no primeiro não existe o direito de preferência a que se refere o Estatuto da Terra, caso pretenda o arrendador alienar a coisa. A expropriação forçada oriunda de processo de execução é instituto distinto da alienação volitiva da coisa, de modo que naquela hipótese não há falar no direito de preferência de eventual arrendatário na aquisição do bem retirado de forma cogente do patrimônio do devedor. (TJMG - Apelação Cível 1.0528.08.008778-6/001, Relator(a): Des.(a) Selma Marques, 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/06/2011, publicação da súmula em 08/07/2011)

AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO - PARCERIA AGRÍCOLA - ALIENAÇÃO DO IMÓVEL - DIREITO DE PREFERÊNCIA - INEXISTÊNCIA - AUSÊNCIA DE CAUSA DE RESCISÃO CONTRATUAL - SUB-ROGAÇÃO DOS DIREITOS E OBRIGAÕES DO ALIENANTE PELO ADQUIRENTE. O ordenamento jurídico em vigor restringe o direito de preferência à hipótese de arrendamento, não havendo qualquer previsão legislativa no sentido de que tal figura poderia estender-se aos contratos de parceria agrícola. Inteligência do art. 92, §3º da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra). A venda do imóvel sobre o qual foi instituída a parceria agrícola não pode ser considerada como causa justificadora da rescisão contratual, pois a alienação não interrompe a vigência daquele contrato, ficando o adquirente sub-rogado nos direitos e obrigações do alienante. (TJMG - Apelação Cível 1.0558.06.001419-5/001, Relator(a): Des.(a) Alvimar de Ávila , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/09/2009, publicação da súmula em 28/09/2009)

Assim sendo, a despeito da previsão expressa da aplicação das regras do arrendamento aos contratos de parceria, os tribunais têm garantido aos proprietários de terras signatários de instrumentos de parceria o direito de alienaram seus imóveis sem serem obrigados a conferir o direito de preferência aos seus parceiros, eliminando-se, assim, dúvida a propósito da controvertida legislação.