» Mais Artigos

A sujeição do contrato de Sociedade em Conta de Participação (SCP) ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).

30/05/2022

por [Advogado] Henrique de La Corte

"A relação havida entre sócio ostensivo e sócio participante, apesar de ser tutelada pelo Código Civil por se tratar de relação empresarial, pode, em situações excepcionais, subsumir aos ditames do Código de Defesa do Consumidor (CDC)."

A Sociedade em Conta de Partição (SPC), a despeito de estar prevista há mais de 10 (dez) anos no atual Código Civil, ainda é pouco discutida no cenário doutrinário brasileiro. Em poucas palavras, a SPC pode ser entendia como um tipo societário no qual um empreendedor, nominado como sócio ostensivo pela Lei, associa-se a investidores (sócios participantes) com o fito de captar recursos para investir em uma atividade econômica específica1. Em tal espécie, todos os atos de gestão tendentes a consecução do objeto social são exercidos pelo sócio ostensivo em nome próprio, participando os demais sócios apenas do resultados, razão pela qual o sócio ostensivo responde individual e exclusivamente pelos atos praticados2.

Em razão das peculiaridades estruturais que envolvem esse modelo societário, muitas dessas sociedades são constituídas com a finalidade de encobertar uma relação consumerista, buscando afastar a aplicação dos ditames do Código de Defesa do Consumidor, vez que o sócio ostensivo caracteriza-se como verdadeiro fornecedor de serviços ao sócio participante.

Nessas hipóteses, a jurisprudência majoritária já vinha admitindo à aplicação do Código de Defesa do Consumidor para solucionar as controvérsias existentes entre sócio ostensivo (fornecedor) e participante (consumidor), especialmente quando o contrato social é tipicamente de adesão.  
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº. 1.943.845/DF3 , reafirmou o entendimento de que as regras do Código de Defesa do Consumidor podem ser aplicadas às relações emanadas das SCP de forma excepcional quando a sociedade for utilizada para despistar a existência de um contrato de investimento de cunho consumerista.
Na oportunidade, o STJ analisou o caso de um particular que havia constituído uma Sociedade em Conta de Partição em conjunto com outra sociedade empresária (sócia ostensiva), investindo R$50.000,00 com a promessa de recebimento de retorno financeiro recorrente e, posteriormente, desinteressado na manutenção da avença, solicitou o distrato do contrato firmado e a restituição do capital aportado, contudo, a sócia ostensiva se negou a atender os pedidos do particular.
A relatora do recurso, Ministra Nancy Andrighi, no mesmo sentido decisões proferidas nas instâncias inferiores - que reconheceram a vulnerabilidade do sócio participante frente ao sócio ostensivo -, consignou que “para incidência excepcional do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de sociedade em conta de participação, devem estar presentes dois requisitos: (a) a caracterização do sócio participante ou oculto como investidor ocasional vulnerável, e (b) ter sido a sociedade em conta de participação constituída ou utilizada com fim fraudulento, notadamente para afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor".
Nessa ordem, resta evidente que a relação havida entre sócio ostensivo e sócio participante, apesar de ser tutelada pelo Código Civil por se tratar de relação empresarial, pode, em situações excepcionais, subsumir aos ditames do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
 

 

[1] (COELHO, Fábio Ulhôa, Curso de Direito Comercial, vol. II, 5ª ed. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 476).

[2] Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.

[3] (REsp n. 1.943.845/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 31/3/2022.)