» Mais Artigos

Uma crítica à aplicação da Lei de Improbidade Administrativa

28/02/2018

por [Advogado] Guilherme Paiva Corrêa da Silva

"A edição da referida lei representou um passo de suma importância no enfrentamento da corrupção no âmbito da Administração Pública..."

A palavra improbidade é derivada do latim improbitate, significando desonestidade, desonradez, falta de probidade. Assim, a improbidade administrativa pode ser definida como a desonestidade no âmbito da Administração Pública.

Embora atual, esse tema não é recente em nossa história, uma vez que a Lei das XII Tábuas já previa entre os antigos romanos a pena capital ao juiz que recebesse dinheiro ou valores (Si judex aut arbiter datur ob rem judicandam pecuniam acceperit capite luto).

Na Idade Média, além dos juízes, outros agentes públicos passaram a se sujeitar às sanções por corrupção, ainda que de forma arbitrária pelo soberano. Mais tarde, foram inúmeras as estipulações legais destinadas ao enfretamento da corrupção, podendo-se citar: os códigos criminais franceses de 1791 e 1810, as Ordenações Filipinas, a Constituição dos Estados Unidos de 1787 e, finalmente, a própria Constituição de 1791, promulgada após a deflagração da Revolução
Francesa.

No Brasil, com o surgimento da “Nova República”, após um obscuro período ditatorial, foi a Constituição Federal de 1988 que trouxe significativas inovações no que diz com a proteção à probidade na Administração Pública, tendo alçado ao texto constitucional os vetores da atuação administrativa e estabelecido uma disciplina jurídica especificamente destinada à tutela da relação entre os agentes públicos e a Administração.

Assim é que, em observância aos ditames da Constituição Federal de 1988 e visando regulamentar a nova disciplina destinada ao combate à improbidade administrativa, o legislador ordinário editou a Lei 8.429, popularmente conhecida como Lei de Improbidade Administrativa.

A edição da referida lei representou um passo de suma importância no enfrentamento da corrupção no âmbito da Administração Pública, tendo sido concebida em virtude do amadurecimento das nossas instituições e da consciência cívica dos cidadãos brasileiros.

No entanto, em que pese o espetacular papel que a Lei de Improbidade Administrativa vem cumprindo em nosso país, temos observado com honesta e sentida reserva a sua aplicação de forma absolutamente indiscriminada, fator de forte desestímulo ao exercício da nobre função pública, quando não de indesejável engessamento da atividade executiva.

Frise-se, por oportuno, que improbidade, como ensina a mais abalizada doutrina sobre o tema, não é o mesmo que inabilidade e, por isso, as severas sanções previstas na Lei nº 8.429/92 só se aplicam ao agente improbo e não àquele que, despido de má-fé, deixa de observar fielmente os comandos da lei, seja por inexperiência, falta de acurados conhecimentos técnicos exigidos no caso concreto, escusável interpretação incorreta de norma complexa ou
outras hipóteses assemelhadas.

Há que se fazer, nesse sentido, a necessária distinção entre a conduta ímproba, daquele administrador que agiu dolosamente, com má-fé, à conduta daquele que, agindo de boa-fé, em virtude de sua inabilidade, pratica atos formalmente deficientes.

Afora isso, sendo taxativas as hipóteses configuradoras do ato de improbidade, não se pode aceitar acusações baseadas em outros ilícitos que não aqueles expressamente enunciados pelos incisos dos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429, de 1992. De fato, como há muito observava o sempre brilhante Francisco Octavio de Almeida Prado, “não se pode pretender que o destinatário da norma preveja o que nem o legislador conseguiu prever, ou seja, outras figuras de ilícito além daquelas que foram desenvolvidas a partir do núcleo de cada categoria, enunciado nos 'capita' dos três referidos artigos. ”

Conclui-se, portanto, que a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa demanda extrema cautela, porquanto o conceito de improbidade, previsto na Constituição Federal, é sinônimo de desonestidade e, por isso, pressupõe a intenção do agente em atingir fim ilegal ou vedado pela norma jurídica.